top of page

Estou tão feliz! Descobri à uns dias que a minha mulher está grávida, voltei de uma viagem a França ontem e ela contou-me ontem ao jantar, ah estou tão feliz! Tenho tido tanta sorte, a viagem correu tão bem e agora isto acontece. Mas irei falar da minha mulher e do nosso filho eventualmente, queria falar primeiro da minha viagem. Começou de maneira terrível, atrasei-me para o voo e quase o perdi, mas penso numa coisa engraçada quando tenho estes problemas: no quanto a minha vida e o tipo de problemas com que tenho de lidar mudou, antes tinha de me preocupar com verificar abrigos de bombas para pacientes traumatizados e agora tenho estes problemas leves, é uma sensação confortável. Mas é por causa da Guerra que fui a França porque o João, um ex-paciente meu se casou e me convidou. A história dele é tão interessante que tenho de a partilhar.

Então, ele era um rapaz filho de imigrantes portugueses de 13 anos quando o conheci em 1940, enquanto estava destacado em França. A guerra já tinha começado há algum tempo e já o estava a afetar intimamente, o pai dele foi chamado a combater e ele e a sua mãe ficaram em casa com os dois irmãos. 

Num dos meus primeiros dias, eles vieram todos ao hospital improvisado em que eu estava a trabalhar com ferimentos ligeiros porque tinha havido bombardeamentos perto deles, não o suficiente para lhes causar lesões graves, mas fizeram bem em vir, e depois de os ter tratado, falei com eles para ver como se sentiam com tudo o que lhes tinha acontecido, e reparei que o comportamento e as reações das crianças quando lhes falavam ou mostravam imagens da Guerra era muito estranho. Todos tentavam “passar por cima” da desgraça que lhes estava a acontecer, tentavam normalizar os bombardeamentos e a violência constante que viam ou diziam nem prestar muita atenção, ou, e isto era o caso mais estranho, o do João, nem se lembravam. Depois de os ter tratado pelos ferimentos ligeiros que tinham, pedi para voltarem todos a ter uma consulta comigo, não porque precisassem de ser fisicamente tratados mas porque a saúde mental deles não estava claramente bem. Nesta altura já tinha lido todos os trabalhos publicados por Sigmund Freud, acompanhava todos os progressos e passos de bebé daquilo que um dia se tornaria a psicologia e achei que todos eles poderiam beneficiar de terapia. 

18 de novembro de 1957
violência no pós-guerra
 

bottom of page