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Estou no avião há 3 horas e não consigo adormecer, alguma coisa me está a impedir de descansar. Claro que numa altura destas, da minha vida e da vida da Europa e do mundo, existe muito que nos mantém acordados, mas de alguma maneira, aprendemos a ignorar todo o barulho e a ir dormir. Enfim, bebo demasiado café.

Mas estou a divagar! Acabei de vir da Suíça, estive lá três meses e meio, pouco tempo mas estive destacado para uma situação bastante importante. Na fronteira entre a Áustria e a Suíça, colegas meus do exército conseguiram resgatar prisioneiros de uma prisão nazi no norte da Áustria e trazê-los até à fronteira com território neutro, a Suíça, para ficarem internados lá e serem tratados de maneira, alguns eram austríacos, outros alemães. Escusado será dizer que todos estavam traumatizados. Ao começarmos o tratamento, fiquei chocado com algumas das lesões dos prisioneiros, algumas eram especialmente precisas, como se tivessem passado por cirurgias (na verdade, eram mais sessões de tortura) feitas especialmente para os magoar.

 

Isto deixa-me profundamente desolado com o estado da humanidade, começámos este século com um otimismo de que a ciência nos levaria a uma utopia, que nunca tínhamos presenciado um momento na história em que tivéssemos tanto poder e poderíamos finalmente começar a trazer mais equilíbrio ao mundo.

Mas em vez disso, usámos séculos de progresso e pesquisa para infligir dor a milhões de pessoas, usamos aquilo que é mais humano, a curiosidade e a vontade de saber e descobrir o mundo para, simplesmente, matar. Pergunto-me se a empatia, uma das poucas coisas que nos distingue dos animais, se tornou uma coisa rara.

 

Quando perceber, partilharei.Mais uma vez, estou a divagar. Como estávamos numa localização secreta, não tínhamos muito espaço e todos os médicos, enfermeiros e pacientes tomavam as refeições juntos. Eu sou fluente em inglês, francês, português e alemão, uma das vantagens de ter tido uma educação tão rigorosa.

 

Depois de poucas semanas comecei a reparar que pessoas que falavam de maneiras diferentes se expressavam de maneira diferente sobre a guerra. Naquela região, muitas pessoas falavam versões mais autóctones de alemão ou francês, havia muitas misturas e não tanto domínio da língua.

 

E reparei que as pessoas que dominavam melhor uma língua apenas e tinham mais fluência nela conseguiam-se expressar melhor e falar mais claramente sobre como se sentiam sobre a sua experiência. Era subtil mas comecei a reparar nisto porque havia claramente diferenças. Quando percebi isto, pedi-lhes a todos para fazerem algumas consultas de terapia.

18 de maio de 1971

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